Aprender a balançar...
As segundas-feiras são
dias especiais para as crianças da minha turma, começamos a semana com a
atividade que todas, sem exceção, mais gostam: brincar no parque! Temos um
parque espaçoso, os brinquedos não são muitos, mas há árvores que nos dão uma
gostosa sombra, espaço para correr, pular, subir, descer, escorregar,
dependurar, girar, balançar, brincar livremente interagindo com os colegas do
grupo.
Sou a professora da
turma e devo estar atenta aos pequenos enquanto se divertem e exploram as
possibilidades daquele espaço mágico que chamamos de parque. Mágico porque os
brinquedos se transformam em casas, carros, ônibus, cavalos, a areia passa a
ser mar, rio, confeitaria, estrada, castelo, enfim tudo “vira” num prazeroso
jogo de “virar” e são muitos os sorrisos, os abraços, os conflitos, as
descobertas e as aprendizagens.
Acontece que em uma
dessas segundas-feiras fiquei observando especialmente o movimento de vaivém do
balanço e me recordei de que quando criança esse era o meu brinquedo preferido,
me lembrei de como é boa a sensação de liberdade que ele proporciona quando
fechamos os olhos e imaginamos estar voando, depois de um certo tempo pode-se
até abrir os braços sem que ocorra uma queda, a sensação é deliciosa. Aprendi a
balançar bem cedo e por sorte tive vários balanços ao longo da infância,
montados com uma corda amarrada a uma árvore ou telhado e uma tabuazinha para
se sentar, feitos por um adulto, geralmente um tio, avô ou pai, cientes de que
o trabalho para montar o balanço valia a pena, pois me deixaria longe de
confusões e completamente entretida por muito tempo...
As crianças da minha turma têm três anos de idade, somente
completarão quatro ao longo do segundo semestre e por isso é comum que tenham
dificuldades para balançar sozinhas, uma aprendizagem nada simples, tanto por
causa da altura dos balanços que não permitem que alcancem os pés no chão para
sentar no banquinho e dar o impulso, quanto pela dificuldade de coordenar os
movimentos e manter o movimento de vaivém, assim como há aquelas crianças
sentem medo de cair do brinquedo. É comum que algumas delas peçam para que eu
ajude a balançar, o que faço com grande prazer, mas geralmente são três ao
mesmo tempo e isso faz com que de vez em quando o balanço pare, eles também têm
de esperar caso eu esteja atendendo outras crianças em outros brinquedos ou
acompanhando algum outro grupo ou colega, são muitos os motivos que me distraem
da tarefa de balançar.
Como seres pensantes que são, as crianças buscam outras
alternativas, por exemplo usar o balanço em duplas um colega balança o outro e
depois trocam as posições, embora nem todas consigam faze-lo bem, é um momento
muito positivo visto que estão aprendendo muito sobre cooperação, ajuda,
auxilio, cuidar e receber também esse cuidado, essa atenção dos seus pares, e
quando surgem os conflitos também
aprendem algo a mais sobre diferenças. Mesmo assim, aprender a balançar sozinho
é a conquista de uma pequena, mas importante, liberdade. Liberdade para
escolher e aproveitar sozinho aquele prazer de voar para onde se deseja, com o
vento batendo no rosto, os olhos fechados e a imaginação fluindo.
Pensei nessa liberdade quando uma das meninas balançava
alegremente sem a necessidade de uma ajuda, então me ocorreu de que a
aprendizagem, mesmo que de algo aparentemente simples, pode significar também
um processo de libertação, de construção do que chamamos autonomia, da
possibilidade de escolher. O espanto me ocorreu não no sentido de ter
descoberto uma novidade, visto que é tema discutido em nossa formação que a
capacidade de aprender nos é fundamental, no entanto, observar esse processo
ocorrendo naquele parque com uma criança tão pequena permitiu a resignificação
das minhas próprias aprendizagens.
O trabalho com crianças pequenas nos presenteia com a
possibilidade de redescobrir o mundo através das descobertas que os pequenos
fazem do mesmo. Tudo o que já nos parece tão conhecido e absoluto ganha um novo
brilho quando é alvo da curiosidade e do interesse das crianças, ganhamos com
isso um exercício diário das capacidades de espanto, de surpresa, de encanto,
de ensinar e de, de repente, aprender.
Se o dia está nublado as crianças conseguem ver e desenhar
um belo Sol brilhante bem no meio desse dia, talvez nós, adultos, devêssemos
nos permitir mais contemplar, escutar, observar nossos pequenos, para aprender
que é possível uma vida menos cinza, ou bege, e mais colorida, mais saborosa,
mais melodiosa, mais aromatizada, mais acariciante, enfim, mais livre.
Heloisa Brandão
Profa. de Ed. Infantil
Junho de 2009
Lindo texto que a professora Heloísa partilhou!
ResponderExcluirOlhar para as nossas crianças é fundamental!!!
Assim como a própria autora afirma
"O trabalho com crianças pequenas nos presenteia com a possibilidade de redescobrir o mundo através das descobertas que os pequenos fazem do mesmo. Tudo o que já nos parece tão conhecido e absoluto ganha um novo brilho quando é alvo da curiosidade e do interesse das crianças, ganhamos com isso um exercício diário das capacidades de espanto, de surpresa, de encanto, de ensinar e de, de repente, aprender."
Agradeço sua contribuição para a nossa reflexão, Heloísa!!
Samira