domingo, 15 de abril de 2012

Aprender a balançar...


Aprender a balançar...

            As segundas-feiras são dias especiais para as crianças da minha turma, começamos a semana com a atividade que todas, sem exceção, mais gostam: brincar no parque! Temos um parque espaçoso, os brinquedos não são muitos, mas há árvores que nos dão uma gostosa sombra, espaço para correr, pular, subir, descer, escorregar, dependurar, girar, balançar, brincar livremente interagindo com os colegas do grupo.
            Sou a professora da turma e devo estar atenta aos pequenos enquanto se divertem e exploram as possibilidades daquele espaço mágico que chamamos de parque. Mágico porque os brinquedos se transformam em casas, carros, ônibus, cavalos, a areia passa a ser mar, rio, confeitaria, estrada, castelo, enfim tudo “vira” num prazeroso jogo de “virar” e são muitos os sorrisos, os abraços, os conflitos, as descobertas e as aprendizagens.
            Acontece que em uma dessas segundas-feiras fiquei observando especialmente o movimento de vaivém do balanço e me recordei de que quando criança esse era o meu brinquedo preferido, me lembrei de como é boa a sensação de liberdade que ele proporciona quando fechamos os olhos e imaginamos estar voando, depois de um certo tempo pode-se até abrir os braços sem que ocorra uma queda, a sensação é deliciosa. Aprendi a balançar bem cedo e por sorte tive vários balanços ao longo da infância, montados com uma corda amarrada a uma árvore ou telhado e uma tabuazinha para se sentar, feitos por um adulto, geralmente um tio, avô ou pai, cientes de que o trabalho para montar o balanço valia a pena, pois me deixaria longe de confusões e completamente entretida por muito tempo...
As crianças da minha turma têm três anos de idade, somente completarão quatro ao longo do segundo semestre e por isso é comum que tenham dificuldades para balançar sozinhas, uma aprendizagem nada simples, tanto por causa da altura dos balanços que não permitem que alcancem os pés no chão para sentar no banquinho e dar o impulso, quanto pela dificuldade de coordenar os movimentos e manter o movimento de vaivém, assim como há aquelas crianças sentem medo de cair do brinquedo. É comum que algumas delas peçam para que eu ajude a balançar, o que faço com grande prazer, mas geralmente são três ao mesmo tempo e isso faz com que de vez em quando o balanço pare, eles também têm de esperar caso eu esteja atendendo outras crianças em outros brinquedos ou acompanhando algum outro grupo ou colega, são muitos os motivos que me distraem da tarefa de balançar.
Como seres pensantes que são, as crianças buscam outras alternativas, por exemplo usar o balanço em duplas um colega balança o outro e depois trocam as posições, embora nem todas consigam faze-lo bem, é um momento muito positivo visto que estão aprendendo muito sobre cooperação, ajuda, auxilio, cuidar e receber também esse cuidado, essa atenção dos seus pares, e quando surgem os conflitos  também aprendem algo a mais sobre diferenças. Mesmo assim, aprender a balançar sozinho é a conquista de uma pequena, mas importante, liberdade. Liberdade para escolher e aproveitar sozinho aquele prazer de voar para onde se deseja, com o vento batendo no rosto, os olhos fechados e a imaginação fluindo.
Pensei nessa liberdade quando uma das meninas balançava alegremente sem a necessidade de uma ajuda, então me ocorreu de que a aprendizagem, mesmo que de algo aparentemente simples, pode significar também um processo de libertação, de construção do que chamamos autonomia, da possibilidade de escolher. O espanto me ocorreu não no sentido de ter descoberto uma novidade, visto que é tema discutido em nossa formação que a capacidade de aprender nos é fundamental, no entanto, observar esse processo ocorrendo naquele parque com uma criança tão pequena permitiu a resignificação das minhas próprias aprendizagens.
O trabalho com crianças pequenas nos presenteia com a possibilidade de redescobrir o mundo através das descobertas que os pequenos fazem do mesmo. Tudo o que já nos parece tão conhecido e absoluto ganha um novo brilho quando é alvo da curiosidade e do interesse das crianças, ganhamos com isso um exercício diário das capacidades de espanto, de surpresa, de encanto, de ensinar e de, de repente, aprender.
Se o dia está nublado as crianças conseguem ver e desenhar um belo Sol brilhante bem no meio desse dia, talvez nós, adultos, devêssemos nos permitir mais contemplar, escutar, observar nossos pequenos, para aprender que é possível uma vida menos cinza, ou bege, e mais colorida, mais saborosa, mais melodiosa, mais aromatizada, mais acariciante, enfim, mais livre.

Heloisa Brandão
Profa. de Ed. Infantil
Junho de 2009

Um comentário:

  1. Lindo texto que a professora Heloísa partilhou!
    Olhar para as nossas crianças é fundamental!!!
    Assim como a própria autora afirma
    "O trabalho com crianças pequenas nos presenteia com a possibilidade de redescobrir o mundo através das descobertas que os pequenos fazem do mesmo. Tudo o que já nos parece tão conhecido e absoluto ganha um novo brilho quando é alvo da curiosidade e do interesse das crianças, ganhamos com isso um exercício diário das capacidades de espanto, de surpresa, de encanto, de ensinar e de, de repente, aprender."

    Agradeço sua contribuição para a nossa reflexão, Heloísa!!

    Samira

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